terça-feira, 27 de abril de 2010

Anotações de um amor dobrado.


Diego me trocou por uma vida sem riscos.Foi isso que entendi na última vez que o vi.Diego cansou.Da vida aventureira, das metáforas, dos perigos, das minhas ocilações.Diego cansou de tudo que eu tinha a oferecer.
Diego se arrumou e pegou a mochila sem olhar pra mim, por que talvez aquela última visão dos meus olhos cheios d'água dificultasse ainda mais sua ida.Pegou a chave do carro, me abriu a porta e seguimos cantando até o aeroporto.
Diego não foi sentimental, não foi nostálgico nem dramático.Me deixou uma esperança, uma foto no mural, sua camisa verde que ele mesmo customizou e uma mensagem no celular que guardo até hoje onde ele dizia que seus olhos tinham fome de horizonte.Confesso que sempre leio e me questiono se eu seria o ideal de felicidade pra ele.Logo eu, com raízes tão fixas: nunca morei em outra casa, vivo pra minha família e meus amigos são quase sempre os mesmos.Por ele larguei a bebida, pretendia largar o cigarro e o instinto de auto-indiferença.Ele era o laço que me amarrava a todas essas decisões e eu precisei desatar o nó pra seguir em frente.
Diego queria serras, orquídeas, metrópoles, baladas ecléticas.Eu era, no máximo, uma brava-guerreira-nordestina que lutava pra superar as coisas da vida.
Diego voltou pra São Paulo e eu continuei na sereia do Brasil.
Diego começou a trabalhar com o pai, assumiu a barba, consertou sua câmera e voltou pra faculdade.Ás quintas ia ao samba.Teria recaídas por mim?
Ouvi sua voz ao telefone uma única vez, quase um mês depois da despedida.Estava com voz de sono e mais ouviu do que falou.Silenciou ainda mais quando disse por-favor-volte-logo-sinto-sua-falta-penso-em-você-todo-dia.Depois Diego me disse que estava feliz e até me pareceu saudoso.Riu do meu sotaque, me desejou sorte na entrevista de emprego, me parabenizou pelo dia da mulher, mandou um beijo-toma-cuidado e desligou.Fui dormir mais tarde naquele dia.Não doía Diego ter me deixado, ou eu não ter esquecido, ou ele não poder voltar.Doía saber que ele também não havia me esquecido, que continuava preocupado comigo, que ainda me fazia bem, que de alguma estranha maneira a gente se completava, se encaixava e que mesmo assim não era o suficiente para estarmos juntos.
Mantive Diego vivo na minha casa.Um prato a mais na mesa, os lençóis amarelos, a toalha que ele usava e tinha um 'Carla' bordado, o ventilador na velocidade que ele gostava.Beijei Diego em pensamento todas as noites.Deixei meu criado-mudo livre de objetos para que lá pudesse continuar sendo o lugar onde ele iria gurar sua habilitação,seus alargadores e seu dinheiro.Tentei deixar tudo do mesmo jeito, nem os móveis mudei de lugar.Na esperança que um dia eu pudesse acordar, tocar novamente aquele rosto que me acompanha em imaginação, sentir aquela energia que só Diego tem, acordá-lo com um beijo e um 'bom dia, meu bem', preparar o único sanduíche que sei fazer, reclamar pela demora de seu banho e conversar coisas banais no café da manhã.Prometo que quando isso acontecer não vou chorar.Não vou perguntar, nem pedir explicações.Não tentarei entender e nem vou crucificá-lo pelos dias que ficou sem dar notícias.
Diego terá voltado e isso será o suficiente.Então, finalmente vou poder lhe dizer, no tumulto diário que é a minha casa: "Aqui é seu lugar e você-é-muito-importante-pra-mim."